HEADPHONE
Lembro a primeira vez que usei um headphone, tinha perto dos oitos anos, meu disco favorito era “Thriller” de Michael Jackson. Adorava acompanhar o ponteiro analógico do aparelho de som, um toca disco de vinil com 2 partes para fitas k7 e sintonizador de rádio AM/FM.
O som sempre me fascinou. Escutava cada faixa e desde cedo gostava de dançar. Um dançar tímido de criança envergonhada. Aquela dança sincera de quando ninguém está te vendo. O rei do pop foi uma influência marcante em minha vida. Minha música favorita sempre foi Billie Jean.
Eu com minha camiseta cinza com estampa do Mickey Mouse, minha infância foi boa. Mas a relação com o headphone tornou-se mais íntima aos 14 anos, quando ganhei meu próprio aparelho de som com fita k7 e rádio AM/FM, eu editava as fitas na época. Fazia pedido às rádios para que tocassem minhas músicas favoritas. Me tornei um fã de Ace of Base e Gala. Das músicas nacionais, sempre fui um adorador de Legião Urbana e Paralamas do Sucesso. A música da minha vida, talvez tenha sido Teatro dos Vampiros ou Meu Erro.
Mas o que fazia com que me apaixonasse pela música pop, foi sempre a qualidade do som nos instrumentos musicais e principalmente os efeitos utilizados pela magia do som estéreo. Sentir a música passeando em meu cérebro e movimentando minha imaginação. Não eram simples ondas, para mim era um trabalho divino. Crédito aos produtores. Sim, a maioria consegue realmente transformar música em algo mais.
Aos dezoito anos me tornei DJ de uma casa noturna. Antes, disso devo confessar que conheci alguns DJs da minha cidade. Na verdade, conheci uma gang deles. Aprendi o maior segredo com eles, contar oitavas. Sim, para ser um bom DJ, o fundamental é saber contar as oitavas nas músicas. Contar as oitavas e sentir a música mudar, sentir a velocidade e com o tempo pegar o ritmo na primeira vez que escuta algo.
Imaginava o som como imagens se formando, como um léxico pictórico, eu via as palavras do mesmo modo que os quadrinhos representavam: POW! PAFT! CATAPLASH! Do mesmo modo que eram representadas as brigas na série antiga de Batman, onde estrelava Adam West.
A minha gang de DJs discotecava por toda cidade, saíamos de terça a domingo. Bebíamos de graça, sempre VIPs nos locais. Chegávamos no valet e deixávamos o carro sobre a calçada, ouvíamos buzinas e o manobristas gritando para os irritados: -Fiquem tranqüilos, não é assim que as coisas funcionam, estes caras tem prioridade. Deixavam nossos carros ao lado dos carrões dos donos da casa noturna.
Cumprimentávamos as hostess que nos chamavam pelo nome ou apelido carinhoso. Ficávamos com elas, com as garçonetes, com as caixas do bar, com as meninas mais lindas da balada.
Cada um ao seu estilo, tínhamos metas. Éramos jovens na balada tentando preencher nosso vazio. Tínhamos namoradas, esquemas, amantes. Tínhamos até algumas fãs. Nada preenchia nosso vazio, mas nos divertíamos. Como lords que entretinham o público e adorados por nosso estilo e bom gosto. Tínhamos uma imagem e personalidades peculiares.
Tentei ser um bom moço, era o cara que arrumava as bagunças, nunca fui o mais belo, era o mais carinhoso. Sempre fui o cara que consolou e explicou que não havia nada de errado. Sempre a testemunha para limpar as cagadas sentimentais causadas. Era o cara que se aproximava do grupo e trazia as meninas para perto. Um tipo de isca, não para ser mordido, mas sim para causar um ar de mistério e mostrar que o caminho estava aberto.
Funcionava como as rodas de colégio onde um amigo fala para a menina que alguém está afim dela, mas de um modo silencioso e aperfeiçoado. Talvez nessa época que as palavras começaram a deixar de serem toscas, rústicas e começaram a ser moldadas e afiadas como bisturi.
Nossos egos eram enormes, não cabíamos em nós mesmos. Olhávamos para as meninas como objetos, pior, como números. Apenas contabilizávamos as novas, figurinha repetida não completava álbum era o lema dos adolescentes. Assim, o desafio era cada vez maior.
Desafio era a palavra, era a sensação. Diversão era a ordem e cumpríamos como soldados dedicados a uma causa. Soldados tentando não ser mais um na noite, porém sempre esquecidos entre o gelo seco e o álcool que nos entorpecia.
Conheci muitas figuras marcantes, muitas pessoas que carrego até hoje em minha vida. São tantos nomes e situações. Se para uma pessoa que aproveita a balada já é difícil, imagina para os que vivem nela. Nomes e rostos, beijos e amassos. Conversas interessantes que simplesmente foram apagadas.
A vida foi boa, foi fútil, foi aprendizado. Contar sempre as oitavas, contar até oito e não dez. Respirar o ar viciado e transpirar as palavras e os gestos. Meditar ao dançar. Esvaziar a mente e enfrentar a vida. Contar, dançar e viver.
Kevin Rodhes - personagem do livro Terapia escrito por djpandacwb

Mídias, artigos acadêmicos, multidisciplinaridade, arte, história em quadrinhos, contos, poesias, tirinhas, fotos, imagens. Diário de um artista amador.
artista:def. pessoa que cultiva as belas-artes ou as artes mecânicas; pessoa que exerce uma arte; amante das artes; talentoso; astuto, manhoso.
amador:def. namorador; apreciador; cultor curioso de qualquer arte; aquele que tem conhecimentos pouco aprofundados sobre determinado assunto.
terça-feira, 3 de abril de 2012
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