quarta-feira, 11 de abril de 2012

MENSAGEM NA BORRA

MENSAGEM NA BORRA
    Ainda sinto o olhar de tédio que me apavora quando falo demais sobre mim, quando faço insinuações óbvias, quando a manipulação deixa de ser sutil e torna-se uma piada com o sorriso falso, da voz alterada que tenta esconder a verdade em forma de piada estilo comédia pastelão.
    Naquela noite Úrsula passava pela cidade, e marcamos de sair, combinamos de assistir Confraria da Costa, que estaria tocando no Blues Velvet Bar, uma banda que lembra músicas de piratas, desenhando no ar suas notas arrebatadoras com o acordeão e violino.
    Porém, não escutei as canções quando saí com Úrsula. Decidi que um café seria a melhor opção. Instinto, talvez memória perdida, escondida entre  meus pensamentos obsessivos. Café do Teatro, eu decidi.
    Sim, a obsessão, a idéia fixa, que deixa marcas. Não como o fogo que marca a pele, a idéia nos corrói, nos enlouquece.
    Pedi um irish coffee, ela um cappuccino gelado. Algo me alerta. - Não insista. - Eu insisti:
    - Experimente! (digo com sorridente)
    - Esqueceu que não bebo? (ela responde educadamente).
    Esqueceu o quê? Como assim, esqueceu? Esse é o tipo de atenção que se dá para alguém que você está interessado.
    O desenho das marcas de espuma de meu irish coffee parecem os desenhos sinistros de testes psicológicos.  Vejo rostos, vejo risadas, sinto-me acuado. Vejo corredores infinitos, com portas parecidas. Não quero abrir. Vejo Úrsula, vejo nua, vejo fria.
    Continua a observar os desenhos que meu coquetel forma. Por falar em coquetel, a origem da palavra é exatamente a sua tradução.  Do inglês cocktail, (cock,=galo) + (tail=rabo) = rabo-de-galo.  No Brasil, rabo-de-galo é uma bebida preparada com vermute e cachaça. Outra curiosidade é que os coquetéis foram inventados para amenizar sabores, ou como eu prefiro dizer degustar e saborear, ou seja, tirar a parte ruim do sabor ou enfatizá-la, ensaiar-se um novo sabor. Em minha crença, acredito que deve-se provar os sabores de modo separado. Imaginar a combinação e degustar o quase imprevisível.
    Voltando as imagens daquele irish coffee - cujo ouvi dizer que antigamente era feito de álcool de centeio com água quente servida para marinheiros – delirava em uma visão de Úrsula estática, como uma prostituta cansada e entediada.
    Cruzo um olhar e volto a realidade. Mas não um simples olhar. O olhar cruzado de ambos segurando o canudinho da bebida e sugando lentamente o líquido, esperando um novo assunto. O olhar acompanhando do quase silêncio constrangedor. O olhar que muda ao escutar que minha bebida havia acabado, fazendo aquele barulho irritante – o barulho que os gaúchos chamam de ronco do mate – que constrange mais que o olhar constrangedor.
    - Ok! Você está com fome? Pergunto com ar de disfarce. Péssima idéia, eu tinha acabado de fazer um ronco. Dãããã. – penso sorrindo de modo estranho e cerrando minhas sobrancelhas.
    - É, pode ser. Responde a garota com uma afirmação doce e um sorriso forçado.
    - O que você me recomenda? Ela pergunta interessada.
    - Eu recomendo um “ventre do minotauro”. (um sanduíche de queijo e mignon em cubos)  E penso em comentar que mignon é um termo que pode se referir a queridinho, ou preferido – e logo mudo de idéia, pois também pode se tratar de um termo um pouco homossexual – para o momento seria totalmente inconveniente. Ok, saíam pensamentos aleatórios, me deixem em paz.
    Úrsula me olha novamente com um sorriso pronto. Um sorriso pequeno, como ela, enigmático, como ela e decepcionado, como ela. E diz delicadamente.
    -Sou vegetariana, querido.
    Disfarço olhando para meu copo vazio. Leio novamente desenhos, agora formados pelos vestígios da bebida que deveria fazer efeito na minha corrente sanguínea e me transforma num cara interessante. Droga! eu penso. Não funcionou.
    - Garçom, por favor, dois queijos quentes com tomate e cebola, uma malzebier e uma dose de cachaça com anis.
    Ela me conta suas viagens, seus namoros, suas conquistas.
    Eu tomo meu trago e me delicio com a cerveja que tomo apenas quando estou acompanhado de pessoas que não bebem.  Dou atenção as palavras dela. Mas sei que elas se esconderão nos labirintos de minha mente e irão se misturar com as imagens formadas pelos restos da bebida.
    Não era uma mensagem numa garrafa, nem algum tipo de cafeomancia. Apenas uma mensagem numa borra. Lida por quem queria.

Kevin Rodhes - personagem do livro Terapia escrito por djpandacwb

Nenhum comentário:

Postar um comentário